Há 22 anos, os irmãos Lavanierre e Muriel deixaram sua casa, com idades de 15 e 14 anos. Assim como muitos meninos, eles sonhavam em brilhar nos campos de futebol. Esse desejo os levou de Barra, um município no interior da Bahia com pouco mais de 50 mil habitantes, até o Paraná, em busca de uma chance.
O incentivo veio do pai, José Santiago, e das partidas amadoras que os dois assistiam nos campos de várzea, onde o pai, aspirante a jogador e fervoroso torcedor do Fluminense, esperava ser notado por algum clube profissional.
O irmão mais velho jogava como meia, enquanto o mais novo era volante. Após serem descobertos por um empresário, embarcaram em uma viagem de ônibus de dois dias até o Paraná. A saudade dos pais tornou-se uma ligação entre os dois irmãos, que precisaram se separar e viver a quase 200 quilômetros de distância. Lavanierre foi para a base do Galo Maringá, enquanto Muriel seguiu para o União Bandeirantes.
“Antigamente, só nos comunicávamos por orelhão. Eles tinham telefone em casa, então comprávamos cartões para ligar. Ainda não existia essa questão dos celulares. Hoje é mais fácil, podemos ver a pessoa do outro lado, mas antes não era assim. A saudade dos nossos pais mexia conosco, mas sabíamos que era uma dificuldade que precisávamos superar”, disse Muriel emocionado.
O destino os separou ainda mais, com o irmão mais novo indo para o Palmeiras em São Paulo, enquanto o outro foi para Porto Alegre, onde começou sua transição para o profissional no Grêmio antes de desistir da carreira e retornar para casa.
“Tive muitas lesões que me atrapalharam, e não estava bem psicologicamente. Preferi parar. Muitos disseram que era cedo demais para parar, que deveria continuar, eu tentei persistir, mas optei por parar”, lembrou Lavanierre.
Visitantes pés-quentes
Foram duas décadas desde o adeus ao lar em Barra até defender as cores do clube homônimo no litoral de Santa Catarina. Durante esse período, Muriel construiu uma carreira marcada por passagens por clubes como Brasil de Pelotas, CSA, Resende, Ypiranga e Figueirense, antes de chegar ao Pescador.
Hoje, aos 36 anos e atuando como lateral-direito, Muriel experimentou algo inédito em sua carreira no futebol: a felicidade de jogar uma partida profissional com a presença do pai e do irmão nas arquibancadas.
“Meu pai só viajou uma vez durante toda minha carreira. Foi para assinar meu contrato com o Palmeiras, quando eu ainda não tinha idade suficiente. Ele fez uma rápida viagem, assinou o contrato e voltou para a Bahia. Sempre me acompanhou em todos os jogos pelo rádio ou pela TV, ligando depois, mas essa foi a primeira vez pessoalmente”, revelou o defensor.
E esse momento especial teve um desfecho heroico. O Barra reverteu uma derrota por 3 a 1 para o Figueirense no jogo de volta das quartas de final do Campeonato Catarinense, aplicando o mesmo placar dentro do Orlando Scarpelli, em Florianópolis. Isso garantiu a vaga entre os semifinalistas nos pênaltis e tornou os dois familiares verdadeiros pé-quente.
“Foi uma emoção imensa. Ao entrar no estádio, senti arrepios. Planejávamos essa viagem há muito tempo. Ter vindo junto com a família e ganhar a camisa que ele usou no jogo foi muito gratificante. Vou emoldurá-la em um lugar especial”, compartilhou José, o pai.
A festa, que já seria especial pelo feito esportivo e pela presença da família, teve um terceiro motivo: o aniversário de 62 anos de José, comemorado quatro dias depois. Essa celebração inicialmente trouxe Lavanierre de Brasília, com esposa e filhos, para prestigiar o irmão junto dos pais, que ainda residem na Bahia. Avançar para as semifinais foi a cereja do bolo.
“Voltamos para casa, comemos pizza e fizemos uma festa, falando sobre o quão emocionante foi o jogo. Com aquela reviravolta no final, na casa do adversário, que é difícil. Foi muito especial comemorar com minha esposa, minhas filhas e toda a família junto, meu pai, minha mãe, irmão, cunhada e sobrinhos aqui comigo”, relatou Muriel.
Devido aos compromissos pessoais, a família não pôde permanecer em Santa Catarina para o primeiro jogo da semifinal contra o Criciúma. No entanto, garantiram que, se o Pescador avançar e chegar a uma final inédita, uma nova visita será planejada.
“Estou muito orgulhoso, porque desisti no meio do caminho e ele venceu na vida, teve uma carreira brilhante, é o orgulho da nossa família. Conseguiu realizar o sonho meu, do meu pai e da minha mãe, que era ter um jogador de futebol na família”, expressou Lavanierre, com lágrimas, provocando emoção no pai e irmão antes de se abraçarem.
Barra e Criciúma se enfrentarão nesta quinta-feira, às 20h30 (horário de Brasília), no Gigantão das Avenidas, em Itajaí. O jogo de volta está marcado para o próximo domingo, às 16h (horário de Brasília), no Estádio Heriberto Hülse.
“Prometi ao meu pai um gol. Se eu fizer, ele volta para dar sorte na final”, concluiu Muriel, com um sorriso que expressava uma felicidade indescritível.
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